segunda-feira, 25 de maio de 2009

O que é qualidade de vida?


Algumas vezes eu pratico o saudável exercício de colecionar frases de alguns amigos meus. Neste último final de semana resolvi perguntar a três deles o que era qualidade de vida.

Segundo o britânico e distinto Vinicius:

“...qualidade de vida em primeiro lugar é ter saúde e poder mantê-la! saúde física é claro, e psicológica, saber administrar suas frustrações de maneira saudável. E em segundo lugar ter recurso materiais suficientes pra desfrutar de algum conforto e ter acesso à cultura e entretenimento!”

Vejam que ele definiu coisas básicas como o próprio corpo e a organização psicológica que seriam a base para aproveitar coisas simples.

O Marcelo, o Woody Allen da Zona da Mata afirma de forma categórica:

“É saber o que quer e colocar em prática.”

É óbvio que essa frase aparentemente simples precede exatamente o que o Vinicius afirmou sobre ter um equilíbrio físico/mental. Traçar objetivos e coloca-los em prática dá a idéia de progressão, de sucesso e pode preencher uma vida.

Já a colorida Kênya define qualidade de vida em:

“Trabalhar com o que gosta e ter um ganho pelo trabalho que você faz, ter independência financeira, ter uma moradia, ter tempo para o lazer com amigos e família e ser feliz com o que possui, não material, mas sim pessoal e profissional!”

Ela une uma característica essencial do mundo moderno: “o trabalho” ao prazer e satisfação e que ao mesmo tempo forneça o subsidio para a vida cotidiana repleta de simples prazeres

Tenho que reconhecer que cada um deles possui uma sabedoria simples. Cada um, da sua forma definiu de maneira objetiva o que foi declarado filósofos da antiguidade.

Isso porque em algum momento eles se livraram da mediocridade ou da vulgaridade ambiente. Para qual fim? Para se dar um sutil e aristocrático domínio de si no qual se reconheça a marca de exceção de um solitário por vocação, um urso de sua própria caverna, um explorador de seu próprio tesouro.

Esta aristocracia não é então definida por uma aristocracia política ou sanguínea, mas por uma espécie de “não vulgaridade” ou, positivamente, por uma elegância, uma distinção de tom, de gosto, de escolha de nuanças permitida a qualquer espírito esclarecido pelas humanidades.

Esta é a escolha que cada um destes amigos fez. Na tentativa de evitar que a vida passe despercebida. Eles cultivam hábitos simples como eu. O Vinicius pratica a leitura e os jogos de interpretação, o Marcelo caminhadas e natação a Kenya suas tardes no parque com chimarrão e amigos, eu mesmo a jardinagem.

Isso me faz lembrar Epicuro, e o que ele próprio define como a busca da felicidade e da qualidade de vida. Epicuro de Samos (341 a.C.-270 a.C.) foi o filósofo que propôs uma vida de prazer como chave para a felicidade. Mas o prazer de Epicuro não é o dos excessos, como no hedonismo. O prazer a que ele se refere é espiritual, algo que se relaciona ao passado e se desdobra no futuro. O prazer imediato, na outra ponta, está associado ao materialismo e ao consumismo e, segundo ele, deveria ser evitado.

Epicuro dividiu os desejos em categorias. A primeira é composta dos “naturais e necessários” como a nutrição, o sono e a reprodução. Também entram nessa categoria o desejo de se proteger e o de ser feliz. Os desejos “frívolos”, segundo Epicuro, seriam os não naturais e não necessários, como a ambição, a riqueza e a glória. A imortalidade ocuparia uma categoria particular, por ser um desejo irrealizável. Segundo Epicuro, o sábio satisfaz apenas aos desejos necessários, que exigem muito pouco. Para alcançar a liberdade e a paz como bens supremos, o indivíduo teria de renunciar a todos os desejos possíveis e vigiar-se contra as surpresas irracionais do sentimento, da emoção e da paixão. O objetivo é ter o corpo são, satisfazendo às necessidades básicas, e a mente sadia, para viver tranqüilo e não ter o espírito perturbado. “O desejo é inimigo do sossego”, dizia Epicuro.

Muitas vezes, investimos mais dinheiro, tempo e preocupação com um carro do que com objetos que têm maior presença no nosso dia a dia, caso do colchão, onde todos deveriam passar oito horas diárias, ou um terço da vida.

O capitalismo as vezes nos força a fazer essas coisas incoerentes. Pois, apesar da aparente liberdade todos estamos atrás de trabalho com melhores salários para consumir e aproveitar as melhores coisas. Muitas vezes, deixamos o essencial de lado.

Imaginemos: É oferecido a você um trabalho de dedicação exclusiva onde você tenha que trabalhar 10 horas por dia. Isso seria exaustivo você pensa. Mas por outro lado pagam R$5.000 por mês e com esse salário é possível manter vários luxos. Comprar uma nova TV LCD, passar as férias viajando pela América do Sul.

Mas é realmente necessário R$ 5.000 reais para viver? O que fica de lado? O que perdemos?

Eu mesmo passei 3 anos amaldiçoando o trabalho de professor. Mas é um emprego que paga seus porcos mil reais por mês, mas com direito a plano de saúde, duas férias por ano, você trabalha apenas 4 dias por semana na parte da tarde, pode dar suas aulas com prazer, rindo e brincando.

Segundo Sêneca, nos resta pouco da vida, pois movidos por neuroses muitas vezes a desperdiçamos. "O quanto de tua existência não foi retirado pelos sofrimentos sem necessidade, tolos contentamentos, paixões ávidas, conversas inúteis, e quão pouco te restou do que era teu?". Eu mesmo perdi tempo amaldiçoando a profissão de professor ao invés de aproveitar o melhor dela.

Após levar a essa reflexão ele afirma: “A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para alcançarmos grandes realizações. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se não dedicada a nenhum propósito, por fim, se não se respeita nenhum valor, se não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai. Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. Alguns, sem terem dado rumo a suas vidas, são flagrados pelo destino esgotados sonolentos”.

Por fim ele aconselha:

"Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida. Foges em companhia de ti próprio: é de alma que precisas de mudar".

Como vimos, meus amigos e os Poetas e Filósofos da antiguidade tem a mesma opinião. Cultivar valores simples que realmente nos importam. É claro que nem sempre temos consciência disso e desperdiçamos nosso tempo em pré-ocupações e coisas bobas.

Uma vez, durante um desses esquecimentos eu me perguntava:

“... é tanto filme, tantos livros, tantas pessoas boas, tanto amor, o homem ainda tem que salvar o planeta, explorar o espaço...vão ser tantas descobertas. Será que eu poderei acompanhar isso tudo? Será que poderei viver esses momentos com sabedoria? Aproveitar as oportunidades.”

E eis que uma pessoa que já faz parte da minha vida a dois anos respondeu com a sabedoria dos filósofos:

“não vamos saber de todas as descobertas, não vamos ler todos os livros,nem ver todos os filmes. Talvez nem veremos o planeta ser salvo ou ser totalmente destruído. Mas vou ver muitas coisas, sentir muitas coisas,o suficiente pra gente ter uma vida maravilhosa. E quando estivermos velhinhos vamos olhar pra traz e ver tudo q fizemos...e dizer valeu a pena, fiz tudo o que desejei, vivi o máximo que pude com pessoas que amo de forma humanamente possível.”

Foi então que eu me senti muito feliz por ter amigos tão sábios e bons. Que ouvem minhas neuroses e me ajudam a resolve-las. E foi assim que eu conclui com Bertrand Russel que: "O tempo que você gosta de perder não é um tempo perdido". Até mesmo escrever esse texto valeu a pena, pois me torna mais consciente da riqueza das pessoas que me cercam.