Negros, Estrangeiros - Os Escravos Libertos e Sua Volta À África -
Cunha,Manuela Carneiro da - Companhia Das Letras
Foi a Guerra do Paraguai uma espécie de limpeza etnica como afirmam os esquerdistas?
Keila Grinberg abordou o fato de que pessoas eram reescravizadas por herdeiros que cancelavam cartas de alforria, até mesmo pessoas que eram sequestradas e vendidas como escravos.
título 63 do Livro IV do
Código Filipino sem que fossem apresentadas quaisquer evidências empíricas para
comprovar se era mesmo fato tão corriqueiro a revogação da alforria por ingratidão como se
supunha. O referido dispositivo das Ordenações bastava como prova da precariedade jurídica
e social da condição de forro.
Ao que tudo indica, a ameaça de reescravização tinha mais chance de se concretizar
nos casos daqueles forros ou descendentes de escravos que se afastavam muito de suas
regiões de origem, e/ou, por causa disso, não contavam com o reconhecimento social de suas liberdades.4
Com efeito, não foram poucos os casos de libertos e ingênuos presos sob a
suspeição de serem escravos fugidos. Contudo, não se deve confundir o embaraço provocado
pela suspeita e pelo encarceramento como sinônimo de reescravização efetiva e irreversível.5
Uma vez comprovada a condição de forro ou livre geralmente esses suspeitos eram postos em
liberdade, embora não raro amargassem um bom tempo na cadeia.
Kátia Mattoso também aborda esse tema.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser Escravo no Brasil. SP, Brasiliense, 1988
Além da reescravização existiram escravos que retornaram para a África:
Trata-se dos descendentes dos cerca de 5 mil escravos libertos que retornaram à África no século XIX e que, segundo o antropólogo Milton Guran, do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF)
As principais comunidades de descendentes de escravos brasileiros que retornaram à África são as dos tabom (em Gana) e dos agudás (em Togo, Benin e Nigéria). Guran explica que a origem da distinção entre eles e os demais africanos relaciona-se ao fato histórico dos retornados terem sido os primeiros moradores a introduzirem, na Costa dos Escravos (ou da Mina), a matriz da cultura europeia. Ou seja, quando voltavam para a África, os libertos levavam consigo diversos costumes e saberes assimilados com os portugueses, no Brasil.
Embora, desde o século XVI, já houvesse um intenso tráfico de escravos que envolvia Europa e Américas, a maior parte da África tinha aberto apenas um pouco de sua “casca” para o exterior. “Até então, o europeu só tinha avançado alguns passos para além de seus entrepostos comerciais, fortins e feitorias, assim mesmo só fazia isso com o consentimento ou a vigilância dos africanos”, explica o diplomata, poeta e historiador Alberto da Costa e Silva, membro da Academia Brasileira de Letras, em seu artigo O Brasil, a África e o Atlântico no Século XIX.
No Brasil, a Revolta dos Malês leva à criação da Lei nº 9, de 13 de maio de 1835 (que regulamentava a deportação de africanos libertos), e da Lei nº 14, de 2 de junho do mesmo ano (que regulamentava duramente o trabalho dos libertos).
Entre os escravos libertos brasileiros que tomaram o rumo da África havia vários pedreiros, mestres de obra, carpinteiros, alfaiates, ferreiros, agricultores e muitos outros profissionais que tinham aprendido ofícios com os portugueses. As casas de pedra construídas pelos retornados, por exemplo, contrastavam com aquelas cobertas de sapé da população local. Aliás, os sobrados erguidos pelos brasileiros em Lagos, na Nigéria, têm virado objeto de estudo de várias faculdades de arquitetura não só do Brasil, interessadas em seus significados sócio-históricos.
Em tempos em que os países europeus, principalmente o Reino Unido, passaram a perceber a África como mercado consumidor – e não mais como exportadora de mão de obra escrava – e a adotar estratégias mais agressivas para adentrar e colonizar o continente, as “maneiras de branco” dos retornados viraram parâmetro para as populações africanas locais. Ou seja, as diferenças culturais entre eles e os nativos corroboraram para que os retornados fossem vistos como “brasileiros” – agudá e tabom –, e não como iorubá, fon, mahi ou qualquer outra etnia. Ao mesmo tempo, eles tendiam a ver os africanos como “selvagens”.
Parece que após 1835 muitos africanos, libertos ou escravos, foram alvos das milícias da coroa:
O chefe de policia Francisco Gonçalves Martins considerou “estranha” a conduta dos soldados de 1ª linha, que estavam
matando e espancando os africanos nas ruas da cidade de Salvador, todos
os dias. Isto chocou até o próprio chefe de policia, conhecido pela sua rigidez
em relação à questão dos africanos. Em 29 de janeiro de 1835, mesma semana
do levante, Francisco Gonçalves Martins pedia reforços ao presidente da
província para acabar com a onda de espancamentos e assassinatos sofridos
por pretos “pacíficos”
APEB. Seção Colonial e Provincial, Chefes de Policia, maço 2949
Deputado Elói Pessoa: Deportar às custas do tesouro publico qualquer liberto suspeito de insurreição: APEB. Sessão Legislativa. Ata das Sessões da Assembléia Provincial Legislativa da
Bahia. Livro 206.
A lei de 13 de maio de 1835 teve grande impacto sobre a vida dos
africanos libertos. Afinal, seus 23 artigos visavam essencialmente limitar
direitos de propriedade, de autonomia e de permanência na província
baiana, constituindo um projeto de deportação dos africanos forros.
Contando com o interesse dos chefes de polícia, este processo de deportação
poderia ser rápido, fazendo com que a presença africana na Bahia fosse
uma memória do passado, a ser esquecido. Com esta lei, os chefes de polícia
poderiam aplicá-la segundo sua vontade, pois a categoria genérica de
“suspeito” seria motivo para expulsar para fora da província qualquer
africana ou africano forro. A história do africano liberto Luiz Xavier de Jesus
trás indícios do impacto desta lei na vida dos africanos libertos que viviam
na Bahia neste período.