terça-feira, 8 de maio de 2018

Blogs sobre mito e niet

Antes de embarcar em qualquer jornada, faça a pergunta: Este caminho tem um coração? Se a resposta é não, você saberá, e então você deve escolher outro caminho.
Carlos Castaneda
Joseph Campbell é o cara que criou aquela história da ‘Jornada do Herói’. É também o cara daquele documentário incrível, ‘O Poder do Mito’. Já ouviu falar?
Eu gosto muito. :)
Sabe aquela pilha de livros que você morre de vontade de ler, mas nunca dá tempo? Essa pilha só cresce, né?
Imagina que o cara tava lá, contrariado com as exigências arbitrárias do doutorado, e resolveu largar a coisa toda. Aí, alugou um casebre no meio do mato e passou ali, sozinho, os cinco anos seguintes.
Fazendo o quê?
Lendo.
9 horas por dia, todos os dias.
Segundo ele, o período de estudo e recolhimento foi a base de toda sua vida futura, assim como do conjunto de seu pensamento.
O cara leu todos os livros que ele queria, do jeito que ele queria, no tempo dele.
Uau.
Essa é uma passagem emblemática na biografia do cara. Como você verá, o pensamento de Joseph Campbell é um monumento à coragem de viver a vida nos próprios termos.
[Sugestão de Consumo] Vá com calma. Leia cada citação pelo menos duas vezes, antes de seguir em frente.
__________

 

(1) “A gente precisa se dispor a abrir mão da vida que planejamos a fim de encontrar a vida que espera por nós.”

Deixar-se guiar pelo próprio coração — e não por planos. Abrir mão do desejo de controle. Destemor e confiança. Abertura. Permitir que o que é vivo em nós se manifeste e nos direcione.

(2) “Qualquer que seja seu destino, o que quer que aconteça, diga: “Isso é o que eu preciso”. Pode parecer devastador, mas olhe para aquilo como uma oportunidade, um desafio. Se você trouxer amor para aquele momento — não desencorajamento — perceberá que existe força naquilo.”

Essa é a filosofia do Amor Fati, de Nietzsche. A Força que vem da aceitação incondicional; render-se incondicionalmente à Vida. Requer uma alta dose de desapego. E, de acordo com a sabedoria oriental, premia com a maior das liberdades.

(3) “Você é o herói (ou heroína) da própria história.”

Na real, acho que a maior parte das pessoas, hoje, vive como coadjuvante da própria história. O que é muito triste e não tem nada de heroico. O desafio é sair da periferia da vida, da posição de vítima das circunstâncias, e tomar a vida nas próprias mãos. O que te faz herói ou heroína é tornar-se a um tempo autor/a e protagonista da própria história.

(4) “A caverna em que você teme penetrar guarda o tesouro que você busca.”

A noite escura da alma, que, dizem, precede o despertar de uma nova consciência. Na linguagem da Jornada do Herói, passamos pela Provação Suprema, o encontro com a Sombra, antes de podermos encontrar o Elixir que cura todas as dores.

(5) “Não acredito que as pessoas estejam buscando pelo sentido da vida, tanto quanto pela experiência de se sentirem vivas.”

O sentido da vida, para ele, não é um tipo de enigma a ser solucionado; o sentido da vida é estar vivo. Estar plenamente vivo dá sentido à existência.

(6) “Siga o que enche seu coração de alegria e o universo abrirá portas onde antes só existiam muros.”

Follow your Bliss. Essa frase é considerada a quintessência do pensamento de Campbell. E bliss é uma palavra danada. Ninguém consegue traduzir direito. Então, eu optei por uma expressão: ‘bliss’ = ‘o que enche seu coração de alegria’. A origem do termo, segundo Campbell, é o sânscrito: ‘ananda’. Que significa êxtase, beatitude ou felicidade suprema.

(7) “O maior privilégio da vida é ser quem você é.”

Sócrates ecoa o Oráculo de Delfos: “Conhece a ti mesmo”. Já ouviu isso? Para os gregos antigos, cumprimos nosso destino humano ao amadurecer as sementes de realização que se manifestam por meio de nossos dons e talentos únicos. Nietzsche reformula: “Torna-te quem tu és”.

(8) “A vida não tem sentido. Cada um de nós tem sentido e nós o atribuímos à vida. É bobagem fazer a pergunta quando você é a resposta.”

Essa é matadora! A vida tem o sentido que a gente dá. Nós mesmos somos a resposta para a questão do sentido da vida… Basta se encarar no espelho

(9) “A vida é como chegar atrasado ao cinema, ter de sacar o que tava rolando sem perturbar todo mundo com um monte de perguntas, e aí ser inesperadamente chamado de volta antes de descobrir como o filme acaba.”

Adoro essa imagem! Uma metáfora da condição humana simplesmente… cinematográfica.

 (10) “O objetivo da vida é sintonizar a batida do seu coração com a batida do universo, sintonizar sua natureza com a Natureza.”

Isso é muito lindo. Como o coração do bebê, que bate no mesmo ritmo que o coração da mãe. Assim é. Assim é.

(11) “Se você de fato segue o que enche seu coração de alegria, você se coloca em um tipo de caminho que sempre esteve lá, à sua espera, e a vida que você deveria estar vivendo é a vida que você está vivendo."

Como uma semente caída no asfalto. Pode ficar um bom tempo ali, congelada. Se, no entanto, alguma força externa a conduz até um punhado de terra fértil, ela naturalmente se reconecta com a verdade de seu Ser, seu potencial de realização. Ela desabrocha, cresce, floresce, frutifica. Pois aquele solo sempre esteve lá, à sua espera, e a nova vida que ela passa a viver é de fato a vida que ela deveria estar vivendo.


(12) “De repente, você é atirado/a na situação de estar vivo. E a vida é dor, e a vida é sofrimento, e a vida é horror, mas — meu Deus — você está vivo, e isso é espetacular.”

Para Joseph Campbell (assim como na maior parte das filosofias orientais), faz mais sentido substituir a ânsia por saber, essa busca ansiosa por respostas, pela experiência de deslumbramento, de arrebatamento, de assombro e deleite diante do mistério.

(13) “O mundo sem espírito é uma terra devastada. As pessoas têm a ideia de salvar o mundo mudando as coisas de lugar, mudando as regras, e quem está em cima e assim por diante. Não, não! Qualquer mundo é um mundo válido se está vivo. A coisa a fazer é trazer vida a ele, e a única forma de fazer isso é encontrar em si mesmo onde a vida está e tornar-se vivo você mesmo/a.”

A aridez de viver apartado de si! Lembro bem. Sempre me pergunto: como colocar meus dons e talentos, minha pulsação, para fortalecer o que serve à vida —  em qualquer situação?

(14) “Não podemos curar o mundo de seus pesares, mas podemos escolher viver com alegria.”

Um antídoto para a onipotência. Acho que a única maneira de, verdadeiramente, salvar o mundo é salvar a nós mesmos primeiro. Um ser humano plenamente realizado é a mais profunda inspiração para cada um de nós.

Sou um discípulo do filósofo Dionísio, preferiria antes ser um sátiro a ser um santo” – Nietzsche, Ecce Homo, pr.§2
Se Apolo representa as forças de ponderação e autodomínio, podemos trazer Dionísio como seu antípoda, completo oposto. Deus estrangeiro, asiático e misterioso, Dionísio representa a potência de ruptura e dissolução das fronteiras. Enquanto Apolo fica do lado da bela individualidade, do onírico, Dionísio carrega consigo forças orgiásticas, de rompimento completo das inibições.
O êxtase do estado dionisíaco, com sua aniquilação das usuais barreiras e limites da existência, contém, enquanto dura, um elemento letárgico no qual imerge toda vivência pessoal do passado. Assim se separam um do outro, através desse abismo do esquecimento, o mundo da realidade cotidiana e o da dionisíaca” – Nietzsche, Nascimento da Tragédia, §5
Força irrefreável, sem configuração, bárbara. Dionísio é o deus da música, tanto quanto Apolo, mas em sua face abissal, não representacional. Uma superabundância de forças que tudo carrega. Dionísio é perigoso, nele encontram-se o excesso, o êxtase e a vertigem. O culto dionisíaco na Grécia antiga era regado a vinho e orgias. O impulso dionisíaco desorganiza, ele é o fora, o estrangeiro. Aniquilamento dos hábitos e instituições!
Se Apolo é sinônimo de beleza e comedimento, Dionísio é representante do disforme, do anômalo, da descomunal força da natureza. As duas pulsões são absolutamente legítimas e reais, mas Dionísio carrega em si um exagero, um despropósito, um desregramento, algo que ultrapassa. Estas forças levam inevitavelmente ao abismo. Aliás, a destruição é a própria representação de Dionísio. Filho de Zeus e Perséfone, sua amante, foi perseguido impetuosamente por Hera. Nos mitos gregos conta-se que foi inúmeras vezes capturado e despedaçado, mas renasceu outras inúmeras vezes. Seu dom é o da metamorfose e ele possui inúmeras faces, por isso Nietzsche o toma como personagem conceitual para sua filosofia.
Fluxos contínuos, ciclos da vida, nascer e morrer, a visão de mundo dionisíaca traz consigo uma nova concepção da existência e novos modos de vida. Sem começo nem fim, tudo é um eterno vir a ser! Ímpeto sem finalidade e insaciável. É necessário coragem para encará-la de frente. A realidade como o mais puro mar de forças… como Vontade de Potência, domínio, submissão. Por trás do mundo não existem leis universais, não existe um Deus sustentando tudo. Por trás dos fenômenos existe o caos, o mais puro conflito de forças, ou melhor, os próprio fenômenos se mostram como caos, perturbação perpétua, balbúrdia. Para todo o sempre o mundo é um eterno vir-a-ser, e nada além disso.
A dor apolínea representa a força do crescimento, a dor necessária, a dor bem-vinda. Já Dionísio é arauto da dor pura, descabida, do despedaçamento, a vida como dilaceramento do sujeito atravessado pela obscuridade anárquica e impetuosa. Mas eis o desafio dionisíaco, afirmar até mesmo o excesso,  a desordem obscura, o lance de dados. Não existe um lugar no universo especialmente reservado para nós, não há um plano para cada um, mas isso não é motivo para desespero. Sim, o mundo é falso, cruel, inumano, contraditório, indomável, mas isso não quer dizer que devemos perder a confiança na vida. Este Deus nos convida a confiar novamente na existência. 
Daquele fenômeno fenômeno maravilhoso, que carrega o nome de Dionisio, que só é possível de ser explicado a partir de um excedente de força” – Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos, O que Devo aos Antigos, §4
Apolo permite encarar o desmedido com a medida, mas é pouco. Não queremos olhar o mundo através de nossa individualidade, por mais bela que pareça, queremos também mergulhar nele! Não queremos interpretar o mundo de nossa perspectiva, queremos experimentá-lo em sua plenitude! Sem filtros, sem proteções, sem limitações! As forças dionisíacas são este mergulho de cabeça, transbordamento puro onde homem e mundo não mais se opõem. Quanto mais fundo, mais os antigos dualismos parecem falsos e simplórios, mais nos abrimos para a diferença. Quanto mais fundo, mais longe de si mesmo.
Contudo, é importante levar um importante fato em consideração: as forças dionisíacas (tanto quanto as apolíneas) são pura afirmação e criação. O desejo dionisíaco de destruir está apenas em criar o novo, a negação é submissa à afirmação! No criar está incluído também o destruir! Imanência absoluta, não há espaço para o negativo, outro mundo, outra existência, outro universo. Apenas esta realidade, em todos os seus aspectos, sem deuses para condená-la ou reprová-la.
Eu sou, no mínimo, o homem mais terrível que até agora existiu; o que não impede que eu venha a ser o mais benéfico. Eu conheço o prazer de destruir em um grau conforme à minha força para destruir – em ambos obedeço à minha natureza dionisíaca, que não sabe separar o dizer Sim do fazer Não” – Nietzsche, Ecce Homo, por que sou um destino, §2
Dionísio, ao longo da obra nietzschiana, passa a ser uma visão de mundo, uma perspectiva. Não há como compreender a obra do filósofo alemão sem passar por Dionísio. Ele é o afundamento, a-fundamento. Nele encontramos a morte de Deus, e um convite entusiasmado para reafirmar a ânsia de criação que habita em todos nós. Multiplicidade em constante processo de diferenciação. Metamorfose infinita. Este mundo, como ele é, engole até mesmo as forças figurativas de Apolo.
O dizer Sim à vida, mesmo em seus problemas mais duros e estranhos; a vontade de vida, alegrando-se da própria inesgotabilidade no sacrifício de seus mais elevados tipos – a isso chamei dionisíaco, nisso vislumbrei a ponta para a psicologia do poeta trágico” – Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos, O que devo aos antigos, § 5
Por isso a oposição entre Dionisíaco e o Crucificado é a mais acertada e produtiva para o filósofo alemão. Nietzsche faz o embate entre forças saudáveis, expansivas contra forças doentes e reativas. Negar a negação! O deus grego é o autêntico anticristo, porque vive no vir-a-ser, sem eximir-se da dor e todos os aspectos terríveis da realidade. Nietzsche nos mostra como os gregos, com seus deuses, eram saudáveis o bastante para criar valores e tomar os rumos de suas próprias vidas.
Dionísio é, nas concepção de Nietzsche, o deus que dança, que possui pés ligeiros. Um deus alegre, capaz de rir, gargalhar, e também zombar de todos os valores antigos e degenerados. A tábua de valores precisa e será sempre reescrita sob a força do dionisíaco! Afinal, este deus despreza a moral e os valores cristãos. Com Apolo chegamos à beira da praia, mas com Dionísio mergulhamos no mar de forças que é a realidade! O filósofo alemão nos traz esta entidade como uma concepção de mundo nova, saudável, com um frescor ameaçador, mas ao mesmo tempo cheios de promessas e possibilidades.

ESCRITO POR RAFAEL TRINDADE

"Artesão de mim, habito a superfície da pele" Atendimento Psicológico São Paulo - SP Contato: (11) 99113-3664

Citações 2018

Na verdade, não temos saudades, é a saudade que nos tem, que faz de nós o seu objecto. Imersos nela, tornamo-nos outros. Todo o nosso ser ancorado no presente fica, de súbito, ausente.
(Mitologia da Saudade)
Eduardo Lourenço

O que todos os empresários desejam mas em vão e que qualquer assalariado consegue: lazer e uma mente em paz.
Henry David Thoreau

Quem mata o tempo injuria a eternidade.
Henry David Thoreau

Você não pode esperar pela inspiração. Você tem que ir atrás dela com um bastão.
Jack London

terça-feira, 1 de maio de 2018

O sentimento mais desolador

Sonhei que passava na tv nostalgia uma reportagem sobre o mamonas assassinas, e na hora que o dinho contaria uma piada sobre "a bichinha", sabe aquele jeito dele? "Aí a bicxxhinha neh, vinha descendo a rua assim" e começaram a vaiar até desligarem a tv. E eu estava tão feliz em ver o MAmonas! Fui descendo a espírito e, ao me deparar com a praça do cruzeiro ela estava seca e sem árvores